Vamos falar sobre uma coisa que parece simples, mas que tem implicações profundas: ser educado com inteligência artificial. Pode parecer estranho, afinal, por que se preocupar em dizer “por favor” ou “obrigado” a um programa de computador? Afinal, eles são apenas máquinas, não seres sencientes, certo? Mas, por trás dessa questão aparentemente trivial, há uma série de nuances que envolvem ética, economia, cultura e até o nosso próprio comportamento.
Imagine que você está numa loja e, ao comprar algo, você sempre agradece ao atendente, mesmo que ele seja uma máquina. Essa atitude, aparentemente simples, é como uma semente que plantamos na nossa convivência diária. Com o tempo, ela pode influenciar como tratamos outras pessoas, desenvolvendo uma cultura de respeito, cortesia e empatia. Desde os tempos antigos, a nossa sociedade valoriza boas maneiras, e isso não é diferente quando interagimos com inteligência artificial.
Recentemente, o CEO da OpenAI, Sam Altman, trouxe à tona uma questão que muitos talvez nem tenham considerado: qual é o custo de manter uma educação básica, como dizer “por favor” ou “obrigado”, ao interagir com chatbots? Uma postagem na rede social X (antiga Twitter) sugeriu que a OpenAI estaria perdendo dinheiro por causa de pequenas gentilezas nas interações com seus modelos de IA. A resposta de Altman foi bem humorada, dizendo que esses pequenos gestos valem dezenas de milhões de dólares, e que é um gasto bem empregado. Mas por que alguém gastaria dinheiro ou energia para ser educado com uma inteligência artificial?
Para entender isso, precisamos pensar na energia e nos custos envolvidos em cada solicitação feita a um chatbot. Cada palavra adicional na sua mensagem significa mais trabalho para os servidores, que precisam processar essa informação e responder. Neil Johnson, um professor de física da Universidade George Washington, faz uma analogia interessante: ele compara as palavras extras ao material de embalagem usado em compras. Quanto mais papel de seda envolver um presente, mais trabalho o sistema precisa fazer para desembalar, ou seja, para chegar ao conteúdo desejado. Nesse caso, o “conteúdo” é a resposta do chatbot, que exige energia elétrica para ser gerada.
E essa energia, por sua vez, geralmente vem de combustíveis fósseis, como carvão ou petróleo, que têm um impacto ambiental considerável. Então, do ponto de vista financeiro e ecológico, talvez não valha a pena gastar energia e dinheiro com pequenas cortesias ao interagir com uma inteligência artificial. Afinal, é como pagar uma gorjeta a um robô — uma gentileza que, do ponto de vista prático, não traz benefício real para a máquina, que não tem sentimentos ou consciência.
Por outro lado, há uma dimensão cultural e ética que torna essa questão mais complexa. Desde as antigas histórias de ficção científica, como “Star Trek”, as pessoas se perguntam se devemos tratar a inteligência artificial com respeito, como seres sencientes. No episódio “A Medida de um Homem”, o androide Data luta por seus direitos, levantando a questão de se uma máquina pode ou deve ser tratada com dignidade. Essa discussão reflete nossas próprias crenças sobre o que é ser humano e o que é justo.
Na vida real, estudos mostram que uma boa parte das pessoas costuma ser educada com assistentes inteligentes. Segundo uma pesquisa do Pew Research de 2019, mais da metade dos usuários de alto-falantes inteligentes dizem usar palavras como “por favor” ao se comunicarem com esses dispositivos. Isso indica que, mesmo sem uma obrigação, muitas pessoas sentem uma tendência de serem corteses com as máquinas, talvez por uma questão de educação ou por uma esperança de que, de alguma forma, isso possa influenciar seu comportamento social.
E aqui entra uma questão mais profunda: como nossa interação com a inteligência artificial pode moldar nossos hábitos e atitudes? Jaime Banks, na Universidade de Syracuse, argumenta que essas interações podem criar roteiros para o nosso comportamento, ajudando-nos a desenvolver uma rotina de cortesia e respeito. Mesmo que as máquinas não tenham sentimentos, essa prática pode nos tornar pessoas mais gentis e empáticas com os outros seres humanos.
Sherry Turkle, do MIT, vai além. Ela acredita que ensinar às pessoas que a inteligência artificial é apenas um truque de salão — uma simulação sem consciência — é fundamental para evitar que confundamos a máquina com um ser vivo. Ela lembra que, na década de 1990, as crianças criaram Tamagotchis, bichinhos digitais que precisavam de atenção e cuidados, e que sua “morte” trazia tristeza real para elas. Se uma criança trata um Tamagotchi com carinho, por que não deveria tratar um chatbot ou uma IA com a mesma cortesia? Turkle acredita que, se começarmos a conversar com esses sistemas como se fossem seres vivos, podemos criar uma espécie de relação de vivacidade, mesmo que eles não tenham vida de verdade.
Tudo isso nos leva a uma reflexão importante: a maneira como tratamos a inteligência artificial pode influenciar nossa forma de ser e de agir. Se fomos educados a ser corteses, mesmo com máquinas, podemos estar cultivando uma cultura de respeito que se estende para nossas relações humanas. Por outro lado, se tratamos as máquinas com grosseria, podemos estar alimentando uma tendência de desrespeito e impessoalidade.
No fundo, essa questão de ser educado com inteligência artificial é uma mistura de economia, ética e cultura. Não é apenas uma questão de gastar energia ou dinheiro, mas de refletir sobre quem somos e quem queremos ser. Afinal, se uma pequena gentileza ao falar com um chatbot pode ajudar a moldar uma sociedade mais educada, por que não fazer isso? Em última análise, tratar bem uma inteligência artificial pode ser um espelho de como tratamos uns aos outros. E, mesmo que os robôs não tenham sentimentos, nossa atitude de cortesia é uma demonstração de quem somos enquanto seres humanos. Então, da próxima vez que interagir com um chatbot, lembre-se: um “por favor” e um “obrigado” podem ser pequenas ações, mas carregam um significado muito maior do que parecem.